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Duas histórias envolvendo mulheres fortes e que enfrentaram a sociedade para ficar junto com seus amados. Infelizmente, nem toda história de amor tem um final feliz.

Ainda me lembro das histórias da minha avó Guiomar. Sabe aquelas de conto de fadas? Ela era de família rica e o pai dela queria que ela se casasse com o filho do dono da mercearia da frente. E o flerte era constante. Ela me contou que o moço levava doces para ela, ficava horas cortejando-a.

Só que o coração dela já tinha dono. Era o moço pobre e trabalhador, descendente de alemão, que mandava cartinhas de amor pra ela.

Os encontros eram raros. Luiz João ficava do outro lado da rua, enquanto ela olhava para ele através das frestas da janela. O irmão da Mima, o tal Zé Maria, era quem ajudava os dois e fazia a entrega das cartas.

Depois de um tempo, Guiomar e Luiz João decidiram se encontrar. Foram até a praça da cidade, ao entardecer. Sentaram-se no banco e pela primeira vez, ele tocou a mão dela e eles ficaram conversando.

Seria perfeito se o pai da Guiomar não tivesse aparecido ali. Os dois subiram na árvore para não serem vistos. Quando o pai dela passou, ela desceu correndo, foi pra casa e se deitou debaixo da coberta.

Alguns minutos depois, o pai dela chegou em casa e bateu nela com uma cinta larga. Ela engoliu o choro, pois no coração só tinha amor.

E foi assim até que Mima e Lete ( apelidos dos dois) decidiram se casar numa manhã de sábado, pois não corriam o risco do pai dela chegar bêbado e contrariado e fazer algum tipo de escândalo. Não teve nenhum problema, afinal, ele não compareceu. Não aprovava aquela união.

Ainda assim, neste caso, o amor venceu. Meu avô teve a maior faculdade que ele podia ter: a vida. Pedreiro, que tinha visão de engenheiro. Sábio. Minha avó era do lar, cuidava dos filhos, esposa exemplar, ajudava a guardar dinheiro. E, aos poucos, eles construíram uma casa linda, uma família unida e conquistaram o carro do ano. Eles foram muito felizes. Tive a honra de acompanhar o respeito e carinho que tinham um pelo outro.

Luiz João, mais conhecido como Letão, faleceu há 15 anos. Já a minha avó Guiomar está com a memória fraquinha, mas ainda nos conforta com aquele sorriso maroto dela por perto.

Amor: entre castas e perdas

Já lemos, vimos na TV ou certamente já ouvimos falar de casamentos arranjados. O da minha avó deveria ser, mas por sorte, tudo acabou bem. Ela se casou com quem realmente amava.

Há 7 meses, tive a satisfação de lecionar para uma classe de estudantes de diversas partes do mundo no programa de Master Science Food & Agribusiness na FECAP em São Paulo. Eu e Ticiane Figueirêdo fomos convidadas pelo querido José Tejon, que é responsável pelo conteúdo do curso de imersão no Brasil.

Na sala, uma indiana chamada Sahana, dona de um sorriso largo e muito atenta. Ela interagiu e fez perguntas inteligentes. No final, veio me questionar sobre o funcionamento da Bolsa e se um dia ela estivesse em Chicago, gostaria de visitar a CBOT. Eu ainda perguntei a ela se a Índia tinha potencial para ser a nova China. Ela disse que faltava para o país um desenvolvimento social e uma política de valorização às mulheres. “Se tivéssemos direitos iguais, menos discrepâncias sociais, o país seria sim a nova China em um curto prazo!”, disse ela.

Há 3 semanas, uma notícia triste

Sahana estava apaixonada e se referia ao namorado indiano como seu “marido”. Porém eles não pertenciam à mesma casta*. E, para piorar, alguns falam que ela já estava prometida a um outro homem – da mesma casta. Então, veio a tragédia.

O namorado foi assassinado misteriosamente 15 dias antes do casamento. Sahana não podia superar a dor. Ela deixou uma carta ao pai dizendo que estava bem, que era uma guerreira e que sentiria falta dele. E assim, ela decidiu deixar este mundo.  Não aceitou a separação e jamais conseguiria casar com outro. Morreu de amor e por amor.

Em pleno século 21 ainda temos casos que mulheres não podem escolher a quem amar, com quem casar e formar sua própria família.

As limitações impedem a felicidade e o desenvolvimento no sentido mais amplo da humanidade. O certo e o errado são impostos.   As regras beiram à intolerância. Deixo aqui meu desejo por uma sociedade em que todos possam ser que são, livres de preconceitos e barreiras. Que possamos ser guerreiros de uma luta pelo amor, no sentido mais amplo da palavra. Aquele que nos toca o coração e nos transforma em pessoas melhores. Por menos extremismos e mais pontes!

Sahana: fique em paz!

*Castas: A Índia é um país asiático que possui uma população de aproximadamente 1,1 bilhão de habitantes. Desse total, cerca de 75% são seguidores da religião hindu. A principal religião da Índia interfere diretamente na estruturação social, uma vez que o hinduísmo divide a sociedade em castas. Atualmente, existem cerca de 3 mil castas distintas na Índia. A proliferação do número de castas se deve, principalmente, pelo crescimento populacional e também pelo dinamismo e diversidade das atividades produtivas, promovidas pelo crescimento econômico que o país vem passando nos últimos anos.

Esse sistema tem como principal característica a segregação social, determinando a função das pessoas dentro da sociedade indiana. Tal segregação resulta em desigualdade social, que é explicada pelo fato de um indivíduo não poder ascender para uma casta superior. 


Roberta Paffaro

Co-autora do Livro Mulheres do Agro | Atuou como Diretora de Desenvolvimento de Mercado, América Latina, CME Group | Colunista Canal Rural e Infomoney | Membro The Worldwide Association of Female Professionals | Agtech entusiasta

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